Estudo de dendrocronologia relaciona Império Mongol com alterações climáticas

Há cerca de 800 anos, os antepassados dos mongóis conquistaram o mundo a cavalo. Os investigadores estão agora a tentar compreender se um período de tempo invulgarmente ameno ajudou a impulsioná-los, tornando-os ricos, devido à posse de gado. O estudo aparece publicado na edição on-line do início desta semana na revista PNAS. Ver o Vídeo .

Especialistas em dendrocronologia que estão a estudar os anéis de árvores antigas na região montanhosa da Mongólia central procuram, através do clima, entender o processo expansionista realizado por pequenos grupos de cavaleiros mongóis nómadas que se uniram para conquistar um imenso território em apenas algumas décadas. O fenómeno ocorreu há cerca de 800 anos e levou à ascensão do grande líder Genghis Khan, podendo esta façanha ter coincidido com um período caraterizado pelo bom tempo.

Os anéis das árvores antigas analisados mostram que existe uma curiosa coincidência entre esta fase de crescimento do Império Mongol e alterações climáticas que se traduziram num clima mais suave e mais chuvoso. Este fator deve ter permitido uma alteração crucial a nível da produção de erva que por sua vez se traduziu na possibilidade de criação de um grande número de cavalos de guerra e outros animais que deram aos mongóis o seu poder.

Os anéis de árvores analisados, abrangendo um período de 1.112 anos, de 900 a 2011, também documentam uma tendência moderna. Desde meados do século XX que esta região está num processo de aquecimento rápido, verificando-se que os anos de seca recentes são os mais extremos no registro, resultando, tal observação, de um possível efeito colateral do aquecimento global a que o planeta está sujeito.

Na atual Mongólia as secas constantes estão a provocar fenómenos demográficos traduzidos em migrações que estão a afetar uma vasta região onde as pessoas até agora têm vivido da mesma maneira desde há séculos, sendo a pastorícia a sua principal atividade. Na atualidade, esses pastores estão a trocar as pradarias pelas cidades, facto que poderá ter repercussões sociais catastróficas num futuro próximo.

"Antes dos combustíveis fósseis, a erva e a criatividade foram as grandes energias para os mongóis e as culturas que vivem ao redor deles", disse Neil Pederson, um especialista em dendrocronologia e autor deste estudo. "A energia flui a partir da base de um ecossistema, até à escada superior de uma sociedade humana. Ainda hoje, muitas pessoas na Mongólia vivem como os seus ancestrais. Mas, no futuro, eles podem enfrentar situações graves".

No final dos anos 1100, as tribos mongóis foram atormentadas pela desordem e guerra interna, mas isso terminou com a ascensão repentina de Genghis (também conhecido como Gengis) Khan no início dos anos 1200. Em apenas alguns anos, ele uniu as tribos num eficiente estado militar que tinha no cavalo o seu principal aliado para a invasão dos países seus vizinhos e para fomentar a expansão em todas as direções.


Genghis Khan morreu em 1227, mas os seus filhos e netos deram continuidade ao império que abarcava um extensa área onde atualmente se desenvolvem países com a Coreia moderna, China, Rússia, Europa Oriental, Sudeste Asiático, Pérsia, Índia e Oriente Médio.

O império acabou por se fragmentar, mas o vasto alcance geográfico dos mongóis teve repercussões culturais que se mantiveram durante séculos.

Alguns investigadores defendem que os mongóis se expandiram para ultrapassar as duras condições meteorológicas do seu espaço geográfico, mas autores como Neil Pederson defendem precisamente o oposto.

Em 2010, Pederson e a sua colega Amy Hessl estavam a estudar os incêndios na Mongólia quando se depararam com uma árvore muito especial que lhes deu o mote para o início desta investigação. Eles sabiam que em tais superfícies secas, com pouca potência de solo, as árvores crescem muito lentamente, são extremamente sensíveis às mudanças climáticas anuais e podem viver até idades fantásticas.

Depois de uma série de expedições descobriram que algumas das árvores tinham vivido há mais de 1.100 anos e provavelmente poderão sobreviver mais um milênio, até mesmo alguns troncos mortos que foram cortados, ficaram praticamente intactos por mais de 1.000 anos antes de apodrecerem. Foi sobre esta matéria que Neil Pederson e Amy Hessl fizeram recair a sua investigação.

Um pedaço de madeira que tinham encontrado possuía anéis que remontam a cerca de 650 aC Esses anéis anuais mudam com a temperatura e a precipitação e para que eles pudessem ler o passado a partir deles tiveram que os calibrar por comparação com árvores vivas e dados de formação balizados entre 1959 e 2009. Em seguida, compararam esses dados com os anéis de árvores muito mais antigas e chegaram à conclusão que as espécies vegetais desta região tinham uma surpreendente história para contar.

Através da leitura desses anéis concluíram que os turbulentos anos anteriores ao governo de Genghis Khan foram marcados por uma intensa seca 1180-1190, mas a partir de 1211 e até 1225, período que coincide com a ascensão meteórica do império Mongol, houve uma transformação drástica das condições meteorológicas, verificando-se um período de chuvas e calor ameno nunca até então registado.

"A transição de seca extrema para uma situação de umidade extrema, sugere que o clima poderá ter desempenhado um papel crucial no desenrolar dos acontecimentos humanos nesta região ", disse Amy Hessl. "Não foi o único condicionalismo, mas esta transformação deve ter criado as condições ideais para um líder carismático emergir do caos, desenvolver um exército e concentrar o poder. Num local árido esta transformação gera umidade incomum e cria também as condições propícias para a produtividade dos vastos prados que possibilitam a criação em massa de cavalos, animal onde assentou todo o poder do grande lider Genghis Khan ".

Os anéis de árvores mostram que após a expansão inicial do império, o clima da Mongólia voltou a ser seco e novamente frio, embora com muitos altos e baixos ao longo de centenas de anos desde então. A exceção volta a verificar-se nos últimos 40 anos, em que as temperaturas em diversas regiões do país voltam a subir até 4,5 graus, bem acima do aumento médio global de 1 grau com que o planeta se debate na atualidade.

Também desde os anos de 1990 que o país tem vindo a sofrer uma série de secas devastadoras de verão, muitas vezes seguido por um inverno excecionalmente longo e frio. Os anéis de árvores mostram que a seca mais recente, registada entre 2002 e 2009, só é comparável em duração à escassez de precipitação registada em 1120, num período que antecedeu a formação do Império Mongol.

Curioso de observar é o facto de a seca da década de 2000 ter sido a mais quente de todo o registro. Só entre 2009 e 2010, a seca matou pelo menos 8 milhões de animais e destruiu os meios de subsistência de inúmeros pastores. Perante estas circunstâncias, os pastores mongóis migraram para as cidades e vão engrossar o número de habitantes da capital , a cidade de Ulaanbaatar, que agora possui uma população de 3.000.000 de habitantes, quase metade da população total do país.

Os modelos climáticos preveem que enquanto todos os continentes sofrem um processo de aquecimento global, o calor no interior da Ásia irá continuar a subir substancialmente mais rápido do que a média global. Pederson diz que as as secas e outras condições meteorológicas extremas provavelmente vão piorar e tornar-se mais frequentes.

Neste estudo, a Mongólia surge como o paradigma de uma análise que pretende ser mais abrangente a nível das conclusões. Se na Mongólia estas condições se mantiverem, as pastagens vão ainda ser mais reduzidas e a agricultura ficará completamente arrasada. Resta a esperança de novos empreendimentos, nomeadamente de mineração e de outras atividades industriais que poderão empregar algumas das muitas pessoas que fogem do campo , mas estas atividades também consomem água e são de difícil implementação num país onde a tradição é fundamentalmente agrícola.

"Esta última grande seca é um exemplo do que pode acontecer no futuro, e não apenas na Mongólia, mas em quase toda a Ásia interior", diz Neil Pederson. "O calor e a falta das chuvas vai mudar completamente a paisagem tornando-a mais seca e inóspita."

Estudos anteriores realizados por outros investigadores defendem a ideia de que as mudanças do clima podem refletir-se e acabar por mudar a história. As mudanças climáticas se deve, segundo alguns, o desaparecimento da civilização Maia, a expansão e queda do poder imperial romano e o colapso da civilização Angkor, registada no sudeste da Ásia durante século XIII. A maioria das causas incide sobre as secas, inundações ou outros desastres relacionados com profundas alterações do clima.

Os investigadores responsáveis por este estudo "fazem um argumento convincente ao considerar o clima como o fator principal que levou ao processo de expansionismo Mongol", disse David Stahle, paleoclimatologista da Universidade de Arkansas, mas, disse Stahle, "vivemos num mar de coincidência . Isso é difícil de provar. Poderia haver uma série de outros fatores. Neste estudo fornece-se um importante registo do clima, facto que poderá estimular outras investigações de índole histórica e arqueológica ".

Este estudo da dendrocronologia é o primeiro de uma série realizado por uma equipa interdisciplinar de maior dimensão que trabalha com Neil Pederson e Amy Hessl . Outros estudos no mesmo domínio estão a ser realizados na atualidade. Por exemplo, Hanqin Tian, ecologista da Universidade de Auburn, no Alabama, está a estudar as pastagens modernas e a trabalhar em modelos que correlacionam a antiga produção de erva com os registros do clima que podem ser obtidos a partir da análise dos anéis de árvores.

Referência: Neil Pederson, Amy E. Hessl, Nachin Baatarbileg, Kevin J. Anchukaitis, and Nicola Di Cosmo. Pluvials, droughts, the Mongol Empire, and modern Mongolia.PNAS, March 10, 2014 DOI: 10.1073/pnas.1318677111


Fonte: The Earth Institute at Columbia University


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