Entrevista ao arqueólogo António Marques

O arqueólogo António Marques desenvolve a sua actividade profissional na Câmara Municipal de Celorico da Beira, desde 2006, altura em que fez o acompanhamento arqueológico dos trabalhos de Requalificação do Castelo da vila. Natural da Freguesia de Santa Maria, naquele concelho, é licenciado em História, Variante de Arqueologia, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e também possui o mestrado em Arqueologia e Território. 

 A Guarda: Quem é António Marques e que ligação tem a Celorico da Beira?

António Marques: O António Marques nasceu há 31 anos e é natural da freguesia de Santa Maria, Vila de Celorico da Beira. É em Celorico da Beira onde vivo e desde 2006 desenvolvo a minha actividade profissional.

A Guarda: Qual o seu percurso académico e desde quando exerce as funções de arqueólogo na autarquia de Celorico da Beira?

António Marques: Frequentei o ensino básico e preparatório em Celorico da Beira, o ensino secundário foi realizado na Guarda, na Escola Secundária Afonso de Albuquerque. Em 2000 ingressei na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde me licenciei em História, Variante de Arqueologia e onde recentemente concluí o mestrado em Arqueologia e Território. A minha ligação à autarquia de Celorico da Beira começou em final do ano de 2006 com o acompanhamento arqueológico dos trabalhos de Requalificação do Castelo de Celorico da Beira.

A Guarda: Como surgiu a paixão pela arqueologia?

António Marques: A paixão pela arqueologia surgiu logo em criança e para tal muito terá contribuído o facto de na época viver nas proximidades de alguns sítios arqueológicos, nomeadamente de um que hoje se encontra parcialmente destruído mas onde existiam algumas sepulturas escavadas na rocha. Recordo que, já nessa época, a sua existência me despertava a curiosidade e o interesse por saber mais sobre elas. Claro que esta paixão também andou sempre associada ao enorme gosto pela História em geral e de Celorico da Beira em particular.

A Guarda: Quais os trabalhos de investigação já realizados no concelho de Celorico da Beira?

António Marques: Os trabalhos de investigação no concelho tiveram início ainda durante a licenciatura em Arqueologia, em colaboração com dois colegas, efectuamos o estudo do Património Arqueológico do concelho, cujos resultados publicámos na revista Praça Velha em 2006. Ainda enquanto estudante e, uma vez mais em colaboração com os colegas, efectuámos um exaustivo levantamento e estudo das sepulturas escavadas na rocha do concelho, trabalho a que procurámos dar continuidade nestes últimos anos. Este encontra-se praticamente concluído e pensamos que a sua publicação possa ser útil para a comunidade científica, bem como para a autarquia e juntas de freguesia, pois, a sua inventariação e estudo permitirá a sua preservação, já que só pode proteger e valorizar aquilo que se conhece. Estes são apenas dois exemplos, mas poderíamos falar de vários outros projectos tanto já realizados como que ainda estamos a desenvolver.

A Guarda: Em que projectos está, neste momento, envolvido?

António Marques: Enquanto arqueólogo municipal, estou a desenvolver um projecto de investigação em colaboração com a Doutora Catarina Tente, Professora da Universidade Nova de Lisboa, para a estação arqueológica de S. Gens, intitulado “S. Gens, O Vale e a sua população, da Pré- História à Alta Idade Média”. Como o nome da investigação sugere procuramos estudar e compreender o que foi a ocupação humana neste local ao longo da História. É de referir que, este projecto, apesar de relativamente recente começa a obter alguma visibilidade junto da comunidade científica nacional e mesmo internacional, face aos resultados obtidos.

A Guarda: Que importância atribuiu à Necrópole de S. Gens e que vestígios já foram ali encontrados? 

António Marques: A necrópole de S. Gens é uma importante estação arqueológica referenciada desde finais do século XIX, porém, as referências a este local apenas salientavam as numerosas sepulturas escavadas na rocha e os lagares aí existentes, isto porque eram os vestígios arqueológicos visíveis. No entanto, nos últimos anos temos demonstrado que S. Gens para além de ser uma das maiores necrópoles de sepulturas escavadas na rocha da Beira Interior possui também outros vestígios, conforme demonstram as escavações que aí iniciámos em 2008. Hoje sabemos que a ocupação humana neste local remonta ao período neolítico, todavia, os vestígios mais significativos que as escavações arqueológicas têm colocado a descoberto foram os de uma habitação de carácter rural, de época romana, que terá sido ocupada entre os séculos I d.C. e IV d.C. e um povoado fortificado alto-medieval (séculos IX/X) contemporâneo da maioria das sepulturas aí existentes.

A Guarda: Qual o achado mais surpreendente que encontrou ao longo da sua carreira profissional?

António Marques: Pela raridade do achado e pelo significado histórico que possui, para o concelho de Celorico da Beira, destaco a recente descoberta de uma inscrição de época romana dedicada ao deus supremo do panteão romano (Júpiter). Esta inscrição tem uma relevância significativa ao documentar a presença de cidadãos romanos na área do concelho de Celorico da Beira numa fase ainda inicial (séculos I/II d.C.) do processo de romanização, nesta área da Beira Interior.

A Guarda: Que análise faz do concelho de Celorico da Beira do ponto de vista arqueológico e patrimonial?

António Marques: Considero que o concelho de Celorico da Beira possui um importante legado arqueológico, testemunho de vários milénios de ocupação. Porém, dada a natureza deste património, invisível a olho nu, está constantemente em risco de destruição devido a múltiplos factores, como o desconhecimento ou até mesmo má vontade de muitos. A nível patrimonial, o concelho de Celorico da Beira é igualmente riquíssimo, possuindo dois locais emblemáticos: a aldeia Histórica de Linhares e o Centro Histórico de Celorico da Beira, onde destaco os seus dois castelos e as suas Igrejas, sem descurar as suas casas brasonadas e muitos outros edifícios com valor histórico e patrimonial espalhados pelas freguesias do concelho.

A Guarda: E do distrito da Guarda?

António Marques: O distrito da Guarda possui um património histórico-arqueológico riquíssimo e muito diversificado do qual destacamos as várias aldeias históricas de Portugal que o distrito possui, o Parque Arqueológico do Vale do Côa, classificado como Património da Humanidade. Para além de um grande número de sítios arqueológicos escavados e musealizados, bem como um excepcional número de Castelos e Igrejas, solares…

A Guarda: Que potencialidades tem o distrito que ainda não estão devidamente aproveitadas?

António Marques: Como anteriormente referi, existem as aldeias históricas, o Parque Arqueológico do Vale do Côa, diversos sítios arqueológicos, museus e núcleos musealizados, Castelos e as Igrejas. Assim, considero que as potencialidades são inúmeras, no entanto, penso também que existe um deficit na parte da divulgação e promoção. Na minha opinião esta promoção deverá ser feita cada vez mais no âmbito regional, com objectivo de alargar o leque de opções de quem nos procura, facilitando a sua promoção intermunicipal com benefícios óbvios para todos.

A Guarda: As populações estão, ou não, sensibilizadas para a importância da preservação e salvaguarda do património?

António Marques: Apesar das mentalidades terem evoluído nos últimos anos de forma positiva e haver em determinados grupos da sociedade uma maior consciencialização para a importância de proteger e divulgar o nosso património, penso que a maioria da população ainda não tem essa sensibilidade. Com efeito, é necessário mudar as mentalidades e fazer compreender às populações que o nosso património edificado e arqueológico, devidamente protegido, estudado e valorizado pode tornar-se uma mais-valia económica, através da sua exploração turística.

 Entrevista publicada no Jornal "A Guarda"
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