Museu da Cortiça foi vendido em hasta pública e corre risco de desaparecer

O espólio do “melhor museu industrial da Europa” foi vendido por 36 mil euros a um grupo de distribuição alimentar mas os edifícios foram adquiridos pela CGD. E agora?

Foto: Jornal Público
O espólio do museu da Cortiça, em Silves, foi parar a uma empresa privada ligada ao ramo da distribuição. A câmara tentou a aquisição, mas perdeu – ficou a mil euros da melhor oferta, em leilão. Nesta sexta-feira está marcada uma manifestação para “ajudar, com a força da opinião pública, o desatar o nó” do imbróglio que está criado.

O que está a acontecer à Fábrica do Inglês, onde está instalado o museu, “é o que há de mais ignóbil na politica patrimonial portuguesa contemporânea”, acusa a Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI). Em 2001, o museu foi distinguido com o prémio Luigi Micheletti para o melhor museu industrial da Europa, mas há cinco anos que fechou as portas. Primeiro, ficou entregue ao abandono e vandalismo, agora corre o risco de ser desmembrado.

“Queremos abrir o museu ali ou noutro lado”, avança João Nogueira, administrador da Alisuper - empresa que detem, no Algarve, uma rede de 49 lojas de mercearias de proximidade, na zona litoral. O que o levou a investir nesta área? “Nós já eramos credores da Fábrica do Inglês [empreendimento de lazer e restauração, falido] no valor de sete milhões de euros”, afirmou, adiantando que o grupo Nogueira está a ”alargar a área de negócios para o sector turístico, nomeadamente no Douro, onde possuímos a Quinta da Barroca”. Os 36 mil euros despendidos, sublinha, “são um investimento, a valorizar”.

O antigo director do museu, Manuel Ramos, duvida que haja uma “verdadeira intenção de preservar e valorizar o património – este museu só faz sentido naquele lugar, é ali que residem as memórias e tudo o que está relacionado com a vida dos corticeiros”. Admitir que as peças possam ser instaladas noutro local, enfatiza, “é reduzir a lixo o património porque a Fábrica do Inglês funciona como um todo e tem uma história”.

O antigo director do museu, Manuel Ramos, duvida que haja uma “verdadeira intenção de preservar e valorizar o património – este museu só faz sentido naquele lugar, é ali que residem as memórias e tudo o que está relacionado com a vida dos corticeiros” Em 2001, o museu da Cortiça, em Silves, foi distinguido com o prémio Luigi Micheletti, destinado ao “Melhor Museu Europeu”, na categoria de património industrial. Oito anos depois de ter atingido o expoente máximo da reputação, fechou a portas embrulhado no processo de falência do grupo de ramo alimentar Alicoop/Alisuper, adquirido pela família Nogueira há cerca de dois anos.

A queda do empreendimento Fábrica do Inglês, que em 1999 prometia dinamizar o turismo na orla do rio Arade, deixou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Millennium/BCP pendurados com alguns milhões de créditos mal parados. No leilão, realizado no passado dia 30 de Maio, a CGD viria a arrematar a compra de todos os edifícios, incluindo a ala onde está instalado o museu, por 2.239.600 euros, o valor base colocado em hasta pública. O que causou disputa, no leilão, foi a compra do espólio museológico desta antiga unidade fabril construída em 1894, vendido à parte das paredes que o albergam.

De entre o conjunto de peças mais valiosas, Manuel Ramos – um dos elementos do grupo de amigos do Museu, que convocou a manifestação para hoje às 11h00 – destaca a calibradora de rolhas manual como sendo uma “peça única no mundo”.

Câmara derrotada por mil euros 
De início, o grupo Amorim e a CGD surgiram como potenciais candidatos à aquisição do recheio do museu mas desistiram quando a câmara manifestou interesse em ficar com este espólio. Quem deu luta foi o grupo Nogueira. A presidente da Câmara, Rosa Palma (CDU) foi ao leilão mas ficou-se por uma oferta de 35 mil euros (mil euros abaixo de João Nogueira). “Deu-me a sensação de que se tratava de uma disputa pessoal, estavam dispostos a ir até onde fosse preciso para ficar com o espólio”, justificou.

Porém, agora está criado um impasse para o qual não se vislumbra uma solução fácil. A propriedade do edifício do museu pertence à CGD e que lá está dentro foi comprado pela Alisuper. “Queremos desatar o nó”, diz Manuel Ramos, adiantando que a manifestação convocada sob o lema “A nossa memória não está à venda” conta com o apoio das comissões nacionais do ICOMOS (International Council of Monuments and Sites) e do ICOM (International Council of Museums).

Por seu lado, Rosa Palma lembra que os edifícios da Fábrica do Inglês estão classificados de “interesse público municipal” desde 2010 mas o espólio do museu ainda não goza dessa protecção. “Estamos a desenvolver os procedimentos, e já comunicámos aos proprietários pois precisamos da sua concordância”. Sobre o futuro do museu, comenta: “Não disponho de informação sobre se têm algum projecto e em que moldes é que o pretendem desenvolver”. Segundo as regras definidas no leilão, está largamente ultrapassado o prazo para a retirada do espólio museológico. “Estive em conversações com a CGD”, disse João Nogueira, prevendo chegar a “um acordo” com a instituição bancária para que não seja esse o desfecho do processo.

Leia a notícia na origem [ Idálio Revez - Jornal Público]
Print Friendly Version of this pageImprimir artigo Get a PDF version of this webpagePDF

Utlizador

Sobre o utilizador

comments powered by Disqus

últimas 20 notícias

acompanhe - nos pelo facebook